Vale quer autorização da Justiça para destruir cavernas escavadas por ‘preguiças-gigantes’ em MG
“A região merece um estudo profundo, já que existe a possibilidade de haver um grande complexo de paleotocas no local”, defende Luciano Faria da Sociedade Brasileira de Espeleologia
A Vale apresentou um recurso contra a decisão que determinou a proteção da paleotoca localizada nos limites do Distrito Espeleológico Serra do Gandarela, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A paleotoca é uma caverna com 340 metros de comprimento, escavada por preguiças-gigantes há pelo menos 10 mil anos.
Segundo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a mineradora apresentou embargos declaratórios e solicitou o efeito suspensivo das deliberações judiciais. O Ministério Público (MPMG) informou que está elaborando uma resposta ao recurso, que ainda não foi analisado pela justiça.
Já a empresa alegou que o recurso visa “esclarecer alguns pontos da decisão” e que a “a paleotoca está preservada” e sob seus cuidados desde 2010.
A decisão do TJ, emitida em 20 de junho e assinada pela juíza Grazziela Maria de Queiroz Franco Peixoto, reconhece a paleotoca como uma área protegida e estabelece que a Vale e o estado de Minas Gerais “se abstenham de realizar qualquer ação que possa resultar na destruição, inutilização ou deterioração da área”.
O pedido para proteção da caverna foi feito pelo Ministério Público. O órgão mapeou as principais ameaças ao local, apontando que estavam relacionadas à implantação de projetos minerários na região. Além disso, um estudo realizado pelo Instituto Prístino indicou que existem marcas que sinalizam a alteração das condições originais da paleotoca, como pisoteamento, carreamento de materiais e pichações.
Segundo o portal G1 com base nos estudos realizados pelo Instituto, uma eventual aprovação do licenciamento do Projeto Apolo, da Vale, entre os municípios de Caeté e Santa Bárbara, constitui risco à integridade do bem. A mineradora pretende implantar uma mina, usina e ramal ferroviário de 8 km na área.
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) disse que o projeto Apolo está em licenciamento na Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri). “A análise já foi iniciada, com audiência pública prevista para os próximos meses. Não há licença emitida ou previsão de conclusão da análise do processo”, informou a pasta.
As paleotocas são cavidades em forma de túneis de centenas de metros de comprimento que foram escavadas em rochas por mamíferos gigantes, já extintos, que habitavam a América do Sul. Uma das principais características dessas aberturas na terra são ranhuras ao seu entorno, provocadas pelas longas garras desses animais.
A descoberta dessa paleotoca na região metropolitana de Belo Horizonte indica a possibilidade da confirmação da existência de outras nas imediações da capital mineira e na própria cidade, e também sinaliza a presença dos mamíferos gigantes na região há até aproximadamente 10 mil anos, quando foram extintos.
Entre os animais pré-históricos, havia a indicação da presença de preguiças-gigantes, com quatro toneladas e seis metros de extensão, vivendo na área em que, milênios depois, veio a se transformar na região metropolitana de BH. A descoberta foi feita pela própria Vale. O fato de estar dentro de terreno da mineradora preocupa espeleólogos, que são especialistas no estudo de cavernas.
“A região merece um estudo profundo, já que existe a possibilidade de haver um grande complexo de paleotocas no local”, defende Luciano Faria, da Sociedade Brasileira de Espeleologia.
Outra cavidade que pode ser uma paleotoca foi localizada em 2017 no Parque das Mangabeiras, no extremo sul da capital mineira. “A cavidade apresenta marcas nítidas de garras o que sugere uma gênese por ação bioerosiva, ou seja, que tenha sido escavada por algum animal da megafauna extinta”, diz o registro da apresentação da descoberta durante o 35º Congresso Brasileiro de Espeleologia, realizado em Bonito (MS) em 2019.
A possibilidade da ocorrência de tantas paleotocas pode contrinuir para a compreensão da vida animal na região no período pré-histórico. “Esses animais não eram eremitas. Não viviam isolados”, diz o espeleólogo Faria.
Esse tipo de cavidade é protegido por lei federal. Em nota, a Vale afirmou que elaborou um plano de ação para mitigar possíveis impactos na cavidade, que inclui barreiras físicas e sismógrafos para monitoramento de vibrações. “Hoje, são cerca de 40 hectares protegidos no entorno da cavidade, mais que o dobro que determina a legislação”.
Porém, vale questionar: se a empresa alega ter um plano para amenizar os impactos das obras, está recorrendo das determinações da justiça que visam justamente resguardar esse patrimônio arqueológico, por quê? É, no mínimo, contraditório.
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