Lideranças femininas repudiam corte de 90% na verba de combate à violência contra a mulher
A jurista Marina Rizzi, que faz parte do Defemde – rede de feministas juristas – disse em entrevista ao HP que o corte das verbas dos programas de combate à violência contra a mulher afetam diretamente a qualidade dos serviços.
“Impacta diretamente nos equipamentos públicos da rede de enfrentamento de violência contra a mulher”. Atinge também os profissionais que atuam nas redes de proteção à mulher e ao conjunto da sociedade”, diz a advogada.
Segundo Rizzi, a decisão também compromete o processo de conscientização que “envolve a mudança de uma cultura da violência contra a mulher”. “Isso é extremamente grave”, afirma.
Ela aponta que a medida compromete a divulgação de campanhas de conscientização e esclarecimentos que a sociedade precisa ter acesso.
O governo de Jair Bolsonaro cortou 90% dos recursos destinados às políticas de enfrentamento da violência contra a mulher e, com isso, programas poderão deixar de funcionar.
As verbas destinadas ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos destinadas ao enfrentamento da violência feminina caíram de R$ 100,7 milhões, em 2020 para R$ 30,6 milhões no ano passado.
Neste ano, restam apenas R$ 9,1 milhões, de acordo com dados da pasta. Para 2023, o governo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento em torno de R$ 17 milhões.
O número é insuficiente e confirma a tendência de perda pelo Ministério da Mulher. Na comparação com 2020, há uma queda acentuada de 83%.
“Cortar quase todo o orçamento dos programas de combate à violência à mulher é um descaso absoluto com a nossa vida e segurança. Já está ruim o suficiente, mas este governo se esforça para piorar”, diz a Hora do Povo a líder comunitária Keila Pereira.
“Estados e municípios do país inteiro vão sofrer com este orçamento, que afeta a Casa da Mulher Brasileira e Centros de Atendimento à Mulher, programas essenciais de saúde e assistência às vítimas de violência”, avalia Keila.
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES AUMENTOU
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os casos de violência doméstica vêm aumentando nos anos recentes: mais de 12% em 2021.
“Onde moro, Parelheiros, não existe delegacia de defesa da mulher, mesmo com um índice altíssimo de feminicídio – o quinto maior da capital paulista”, diz Keila. Parelheiros é um bairro do extremo sul da capital paulista.
“A minha percepção é que estes casos estão aumentando, e as pessoas também têm chegado mais ao sistema de Justiça, analisa a juíza Teresa Cabral, integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp).
“Chama a atenção muitas vezes pela crueldade, pela gravidade, pela falta de conhecimento do que fazer, prossegue a magistrada”. “É impressionante como as pessoas desconhecem os caminhos possíveis quando se está em situação de violência”, analisa.
“É absolutamente inadmissível que se corte 90% dos recursos para os programas de combate à violência contra as mulheres em qualquer momento”, disse a Hora do Povo Karina Sampaio, diretora da Confederação das Mulheres Paulistas (CMB).
Porém, “é ainda mais grave fazer isso agora, momento em que a crise econômica, carestia e desemprego promovidos pelo governo Bolsonaro jogam as famílias brasileiras para sua desagregação”, continua Karina.
“Ou seja, cenário extremamente fértil para conflitos de toda ordem, e nem precisa dizer quem mais sofre com isso nos lares brasileiros porque os números falam por si mesmos. E são assustadores!”, afirma a representante da CMB.
Além da falta de orientações sobre os meios e serviços para buscar proteção e escapar da violência, muitas vezes as vítimas não têm acesso a instituições e órgãos de proteção e de defesa dos seus direitos e da sua integridade.
“Penso nas mulheres moradoras das comunidades: como estão sobrevivendo?”, questiona Junéia Batista, secretária da Mulher Trabalhadora CUT, que também falou ao HP. “É nessas comunidades que elas mais procuram serviços de assistência’, disse.
FOME E MISÉRIA AGRAVAM A VIOLÊNCIA
Junéia defende que, somente a criação de um pacto social será capaz de superar as mazelas causadas pelo atual governo e reconstruir o país. “Para reverter as perdas de muitos postos de trabalho e pôr fim à fome. Mais de 60 milhões de pessoas vivendo sob insegurança alimentar, justamente pelos cortes (de recursos para investimentos sociais), critica.
De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgado em julho, mais de 60 milhões de brasileiros enfrentaram algum tipo de privação alimentar.
O documento mostra que o número de pessoas vítimas de algum tipo de insegurança alimentar foi de 61,3 milhões – praticamente três em cada dez habitantes do Brasil, que tem uma população estimada em 213,3 milhões. Desse total, 15,4 milhões sofreram uma insegurança alimentar grave.
Os dados abrangem o período de 2019 a 2021. Os últimos números da instituição mostram uma piora assustadora da fome no Brasil. Entre 2014 e 2016, a insegurança alimentar atingiu 37,5 milhões de pessoas – 3,9 milhões estavam na condição grave.
No que concerne às mulheres, em 2021, 31,9% população feminina no mundo enfrentavam um cenário de insegurança moderada ou grave, acima dos 27,6% apurados entre os homens. A diferença de quatro pontos percentuais também é maior do que a observada em 2020, quando era de três pontos.
Mesmo com a fome assolando a vida das brasileiras, agravada pelo desemprego, a dirigente sindical diz que a decisão de Bolsonaro “não surpreende”, mas é “totalmente misógina!”,
Para Marina Rizzi, a decisão do governo é ainda mais grave, “levando em consideração que na pandemia a gente teve um aumento significativo dos casos de violência contra a mulher”.
Nesse cenário, “esses dados assumem outras dimensões ainda mais perversas, porque deixam as mulheres ainda mais vulneráveis quando o Estado deveria […] prevenir e erradicar a violência contra a mulher”, comenta.
JOSI SOUSA
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