Justiça cobra manifestação da ANM sobre voto favorável à mineração da Serra do Curral-MG – Hora do Povo
Serra do Curral, na região metropolitana de Belo Horizonte – Foto: Prefeitura de BH
A Justiça Federal determinou que a Agência Nacional de Mineração (ANM) se manifeste, em cinco dias, sobre o voto favorável ao empreendimento da Taquaril Mineração S.A (Tamisa) na Serra do Curral. A decisão, da juíza federal substituta da 22ª Vara, Fernanda Martinez Silva Schorr, atende a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Os órgãos sustentam que o voto favorável do representante da ANM ao complexo da Tamisa infringe uma decisão judicial de 2018, que determinou que a agência indeferisse requerimentos de novas concessões minerárias nas áreas inseridas nos perímetros dos tombamentos municipal, estadual e federal da Serra do Curral.
“[Considerando o teor da decisão que determinou] que a ANM indefira todos os requerimentos de novos direitos minerários (requerimentos de autorização de pesquisa, registro de licenciamento, de permissão de lavra garimpeira e de registro de extração) […], defiro o pedido dos autores”, diz um trecho da nova decisão, assinada nesta segunda-feira (16).
Outra ação, proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais no início deste mês na Justiça pede a suspensão de licenças para empreendimento de mineração na Serra do Curral.
O impacto ao patrimônio cultural previsto na implementação do projeto não foi submetido à análise do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). “Não passou por análise do órgão, quanto à avaliação de impacto ao patrimônio cultural, e não possui manifestação/anuência expedida por este órgão estadual de proteção”. A denúncia é do então presidente do, Felipe Cardoso Vale Pires, em ofício Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em março.
A denúncia se refere à aprovação pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) do projeto de exploração mineração na Serra do Curral em benefício da Taquaril Mineradora S.A. (Tamisa) e levou a demissão do arquiteto da presidência do órgão. A decisão do governador Romeu Zema (Novo) foi publicada no sábado (16) – 15 dias após a aprovação do projeto – no Diário Oficial Eletrônico Minas Gerais.
Entre as exigências prévias para o licenciamento ocorrer, estão os estudos e autorizações do Iepha e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “As irregularidades vão ficando mais expostas. Agora este documento veio à público, dois meses depois, mostrando que o Ipeha não fez o estudo e não deu a autorização, conforme previsto por lei”. A afirmação é do urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Roberto Andrés para quem, a decisão de Zuma reforça a interferência política no processo.
“O arquiteto Felipe Cardoso Vale Pires deixa o cargo a pedido encaminhado há três meses, após cumprir transição durante o processo de escolha da nova presidente (Marília Palhares Machado). A mudança, portanto, não tem relação com o processo de licenciamento da Serra do Curral. O desligamento oficial foi publicado na edição deste sábado (14/5) do Diário Oficial de Minas Gerais”, diz nota do governo encaminhada ao Estado de Minas.
o projeto de mineração da Tamisa/Cowan na Serra do Curral, aprovado no final de abril, enfrenta diversas ações judiciais por conta de uma série de irregularidades. O projeto original da Tamisa é 15 vezes maior que o aprovado na CMI, segundo checagem do Observatório da Mineração. Ambientalistas suspeitam que a Tamisa tenha reduzido significativamente o tamanho e o impacto do projeto para facilitar e agilizar o licenciamento e que, ao longo dos anos, a mineradora entre com pedidos de ampliação.
De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental de 2014 e dados fornecidos pela empresa ao Observatório em 2018, a área afetada em hectares é de 1536 hectares contra os cerca de 101 hectares do projeto aprovado.
Isso afetaria drasticamente uma área preservada de Mata Atlântica com impactos ambiental, hídrico, histórico, cultural e paisagístico para toda a região metropolitana de Belo Horizonte.
A proposta inicial avança junto com a área na qual a reserva lavrável estimada no projeto original é mais de 20 vezes maior, o total de produtos mais de 12 vezes maior e a vida útil do empreendimento, hoje estimada em 12 anos, é na verdade de 30 anos, aponta o levantamento do Observatório.
Outra preocupação é que, além dos cinco requerimentos minerários já incluídos no projeto atual, a Tamisa tem no total 12 requerimentos tramitando na Agência Nacional de Mineração. Todos para explorar minério de ferro e manganês em BH, Nova Lima, Sabará e Raposos. É exatamente a mesma região do projeto original de meados dos anos 2000.
Por sua vez, a empresa alega que diminuiu o tamanho do projeto em função do rompimento da barragem de Mariana em 2015 e nova solicitação do órgão ambiental, que os requerimentos em andamento são algo “comum na indústria” e que deve “aproveitar ao máximo” as jazidas identificadas desde que isso seja “viável ambientalmente”.
Para Maria Teresa Corujo, a Teca, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM , quanto ao apontamento da Tamisa de que “esse aproveitamento máximo deve se dar em condições de viabilidade ambiental, o que resulta na necessidade do licenciamento ambiental”, o processo licenciado “comprova que a questão da viabilidade ambiental, entre outras questões, foi totalmente desconsiderada. Ou seja, não há qualquer garantia de que ampliações do projeto no futuro não recebam licenças”.
Os requerimentos na ANM fortalecem as suspeitas de que a Tamisa teria reduzido o projeto agora para conseguir o licenciamento mais rápido, prática recorrente nos processos de autorização para exploração minerária no Estado. “Essa é uma prática comum na mineração”, afirma Teca, profunda conhecedora das artimanhas burocráticas usadas por mineradoras em MG.
“Já vi casos semelhantes de processos de licenciamento que são apresentados de forma fragmentada da sua totalidade. Tanto é assim que o empreendedor requer a ampliação ao longo do tempo após a primeira licença”, prossegue Teca.
“Os grandes complexos minerários em operação em Minas Gerais são assim precisamente devido às inúmeras ampliações que são objeto de processos de licenciamento ao longo dos anos”, completa a ativista.
“Pede-se primeiro uma pequena fase da mineração para poder facilitar o licenciamento e com o tempo vão licenciando o resto. Então a gente nunca tem a noção exata do que será todo o empreendimento”, afirma Julio Grillo, ex-superintendente do Ibama em Minas Gerais.
“[…] Tem que apresentar o empreendimento por completo. E não é assim que está ocorrendo e não é assim que ocorre normalmente”, completa Grillo, que também é representante da Promutuca, entidade ambientalista que foi um dos 4 votos contra o projeto da Tamisa na reunião da CMI.
O projeto da Tamisa enfrenta a mobilização da sociedade civil e da classe artística. Uma ação na justiça da prefeitura de Belo Horizonte alega que não foi consultada no processo, uma ação do Ministério Público de Minas Gerais que pede a anulação da licença, posição referendada pelo MPF e a possibilidade de abertura de uma CPI na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Em um ato de defesa da Serra do Curral, moradores pedem o tombamento da área. “Proteja a natureza que você vai se salvar”, “Não destrua a Serra do Curral” e “Queremos o tombamento da Serra do Curral” foram alguns dos cartazes espalhados no domingo (15/5), na Praça Estado de Israel, na capital mineira.